domingo, 27 de setembro de 2009

Passeio por uma noite





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Às vezes há fins-de-semana que duram pouco, tão pouco que nem cumprem 24 horas. Foi o caso deste final de Setembro.
Sexta à noite, às 21.00 horas portuguesas, entrávamos em Badajoz, depois de uma intensa e arrasante semana de trabalho. Mais estranho ainda: para dormir apenas uma noite!
Havia pois que viver intensamente as poucas horas que nos restavam ou deixar andar, fluindo o tempo como ele assim o desejasse ou o corpo o ditasse. Imperaram as duas últimas hipóteses.
Poisámos no pequeno parking ao lado da Ponte de Palmas e demos corda aos sapatos rumo à Alcazaba, monumento declarado Histórico-Artístico desde 1931, mas completamente desconhecido do comum alentejano. Com pena me enquadro no dito vulgo. Mea culpa! Porém, também apurámos que a zona envolvente – ruas e até a Plaza Alta – esteve escondida ao público durante muito tempo, votada ao abandono e cerrando portas para grupos marginais que por ali consumiam e “habitavam”. Tais despojos ainda se vêem. A reconstrução tem vindo a fazer-se, paulatinamente.
31º e os pés a inaugurarem a dita ponte, estando ela ali, há tantos e duradoiros anos, a ligar dois pedaços de terra, com o Guadiana a fluir, de maior ou menor caudal.
Lá em cima, o castelo espreitava. Alcazaba. Ao lado, a Plaza Alta, desde o século XVII.






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Praça e castelo engalanados para comemorara a festa, ao que parece na sua 3ª edição: Al Mossassa, a festa que irmana Badajoz e Marvão, por via do “galego” Ibn Marwa, fundador da primeira e nome na origem toponómica da segunda. Al Mossassa é pois um dos passos mágicos encontrados para reabilitar estes velhos muros e estas velhas paredes de tijolos vermelhos pintadas. Um mimo de Praça a levantar-se das cinzas, ressuscitando tons, cheiros e melodias árabes.
Noite, dia…
À noite, numas possíveis “Docas” ali ao lado da ponte, os adolescentes amontoavam-se, elas de super mini-saias e sandálias romanas, eles, de gel capilar abundante e brilhante. Eles e elas de copo em riste. O álcool como denominador comum.
Subindo até à Plaza Alta o silêncio. FRONTEIRA entre passado e presente.




delícias árabes...





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Deste lado árabe, chás, pitas e cuscus, incensos e o febril escaldante de 31º nocturnos. As muralhas árabes olhavam-nos. Subida à torre octogonal de EspantaPerros, a antiga torre de atalaia. Vista soberba da Praça e arredores nocturnos. Um teatro ao ar livre lá em baixo, no EL Campillo, “LA Osadia de Ibn Marwan”.
Do outro lado, nos Jardines de la Galera um concerto com a nossa guitarra, a portuguesa. O grupo, português, pois: “Meditherranios”.












Torre Espantaperros






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Do outro lado da “fronteira”, outra vez o ruído da gigante discoteca ao ar livre, dos copos, das vozes enérgicas e bem sonantes deste pueblo vigoroso, afinal de árabes descendente.
O corpo ditou-nos a sina do cansaço e para “casa” regressámos, sem tempo de escolher um bom local de descanso. Um bairro residencial calmo. Aparente. Ao lado outra ponte que se revelou – com o passar da noite – ruidosa, louca e de azáfama.
De dia, menos 3º e a Plaza Alta de cara lavada. Com menos ruídos e menos tecno.





Ponte de Palmas









Plaza Alta





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De repente, um frente a frente com uma espécie de seres mitológicos, quais elfos a espalhar música na Praça. Flautas, percussões, gaitas de foles… e vai-se a ver os elfos eram portugueses, uns “guardadores de rebanhos” de outras eras, lá das serras fantásticas. Com cartão de visita e um título sugestivo e encantatório:”Pifaradas Zabumbadas dos pastores de Álvaro Cardoso Pessoa” (www.angelfire.com/musicals/pifaradas)



os pastores portugueses








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Mais uns passos e a serra cola-se ao deserto: odaliscas e as suas ondulatórias danças do ventre, serpentes fartas e os seus bailes de beijos venenosos.




dança do ventre








dança das serpentes






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Sai-se por uma das mouriscas portas. As ruas vizinhas ainda respiram destroços. O apelo lê-se em lençóis brancos “Rehabilitación de Alcazaba”. Mesmo sem letras seria legível e urgente.








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A festa, essa, continuaria sem nós. O passeio terminava à hora de almoço. O nosso mais curto de todos. Mas Al Mossassa continuará e já ali bem perto, em Marvão, de 2 a 5 Outubro. Para quem poder aproveitar, aqui fica a sugestão.
Quanto a nós, daremos um salto mais longo, até ao reino de outros conquistadores, mais a norte, mais para o frio. Dinamarca espera-nos, outras crónicas se escreverão, sem árabes, sem calores, sem brancos tórridos e feiras (acho) de outras eras.




domingo, 20 de setembro de 2009

Mercados e mercaus


(Cangas de Onis, mercado de queijos)

Ou procurando (nos postos de Turismo locais), ou deparando-nos inesperadamente com eles, quem vai às Astúrias tem obrigatoriamente de deparar-se com os seus mercaus. De queijos, de presuntos, de produtos asturianos, de artesanato…mas, mais interessantes que esses, são os mercados medievais, ao que parece assim incorrectamente apelidados, já que a denominação correcta é “Mercau astur”. Um conceito mais colorido certamente e mais recheado de variedade do que um simples mercado local.

Há uns atrás, ainda longe de sonharmos com estas vidas itinerantes em quatro rodas e muito menos com a casa às costas, e porque estávamos “obrigatoriamente” confinados à vila de Infiesto (alugámos lá uma habitação de turismo rural), visitámos um desses mercados. As ruas vestiram-se de séculos recuados, as marcas da civilização apagaram-se com sinais de trânsito tapados de serapilheira e os pequenos larguitos da festa, atapetaram-se de palha e até de dejectos bem a três dimensões das vacas e outros animais de carne e osso. Os “feirantes” vestiram-se a rigor, os números circenses multiplicaram-se e lá recuámos no tempo, contemplando e cheirando alegremente.
Este ano, ao que parece. a festa em Infiesto era só a 15 de Agosto, data que fugia aos nossos planos de viagem, mas depressa descobrimos outras substitutas e mesmo ali ao lado. Em Cangas, de 31 de Julho a 2 de Agosto tivemos tempo de sobra para visitar um desses mercados coloridos e com um sabor a outros tempos.




Cangas de Onis, Mercado Astur

Mais tradicional e bem conseguido havia ainda que ver o mercau de Ceceda, uma pequena povoação asturiana, a uns 6 km de Infiesto. A festa é denominada de “interesse regional” e iria decorrer no fim-de-semana de 1 e 2 de Agosto.






Para estarmos lá logo de manhã, revisitámos Infiesto e pernoitámos num local que tínhamos ideia de ser tranquilo e provavelmente seguro: no parque ao lado da piscina e da cueva de Nossa Senhora de… A zona é de picnic e os espanhóis fazem-na render, praticando exercício e convivendo em família até o sol desaparecer por entre montanhas. Lá ficámos, sozinhos, de vez em quando visitados pelo carro patrulha da polícia local, qual anjo de companhia.
O dia 1 de Agosto acordou carregado de nuvens pouco amigáveis, depois de alguma chuva nocturna. Mesmo assim encaminhámo-nos para Ceceda. Uma outra AC estava parada na cortada para a povoação, à espera que uns amigos de carro lhes comunicassem se a estrada até lá era transitável para veículos como nós. Tudo ok segundo eles, mas mesmo assim a travessia da povoação, nalgumas ruelas com varandas quase cosidas ao capuccino, não era a mais tranquila. O parque de estacionamento era amplo, um campo ceifado, com os lugares mais largos para AC. O sol abriu, a esperança sorriu…





Ambiente de sol e festa


Não era caso para menos, a Festa era mesmo uma entrada numa outra dimensão. No meio de um pequeno terreiro, o ambiente medieval já estava instalado: cores, artesãos a trabalhar ao vivo, jogos tradicionais, saltimbancos, barracas bem trajadas e com belíssimas peças de artesanato, trajes regionais, animais e pessoas lado a lado, cheiro de petiscos no ar… o pior foi quando o céu se abriu em dois e uma tremenda borrasca caiu sobre o cenário idílico. Somente tivemos tempo de agarrar nos apetitosos “tortos de maiz” e correr para o telheiro da igreja, já completamente pintos.




O tempo que bem podia ter parado enquanto havia sol...


Bem trajados para a festa


Animação circense



Vai uma voltinha ?


Modelo 1

Modelo 2 - há que evitar dejectos de vacas e bois!


Brincadeiras de sempre

Que bem que se anda nas andas.



O final da festa com um belo petisco rexional.


O céu não deu tréguas e imagino que a festa tenha fechado portas, pois quase literalmente fugimos com receio que o caminho até à estrada se transformasse num lodaçal com direito a ficarmos atascados. Pelo que constatámos ao sair, o receio não era infundado, a pista já derrapava e a lama crescia. Em boa hora saímos. Astúrias é um paraíso se não contarmos estes dilúvios, mas o verde também precisa de beber, caso contrário não seria verde…
Outros mercados, com menos carisma, porque mais usuais, podem acontecer a dias fixos da semana, como o de sábado, em Cangas. Era o mercado de queijos, mas, como nem só de queijos vive o asturiano, presuntos e enchidos, pão e flores e até roupa, tudo se exibiu a nossos olhos, sem censuras de uma qualquer pidesca ASAE.





Cangas







Apetece ficar e mandar Portugal à “faba” (*)!
*Uma fabada asturiana não leva favas, mas uns bons e rechonchudos feijões brancos cuja receita postal em altura oportuna adaptaremos com direito a alterações alentejanas. A ASAE que se dane!





A receita astur


Pernoitas:
. Cangas de Onis ( N 43º 21’ 8’’ W 5º 7’ 29’’)
. Infiesto (na zona de picnic, ao lado da piscina). Água. Bar.





domingo, 13 de setembro de 2009

A História recriada com banhos de rio


Às vezes a Net dá assim um empurrãozinho no que respeita a sugestões e motivos para viajar.
Estava eu à procura de um roteiro especial para fim-de-semana – de interesse histórico-cultural, refrescante e económico – quando, pesquisando “praias fluviais” (o lado refrescante da questão), me saltou à vista uma feira medieval em Castelo de Vide.


Por três motivos foi o tiro certeiro:
1- A vontade de continuar o episódio interrompido nas Astúrias (do qual falarei numa próxima crónica);
2- Castelo de Vide fica entre algumas das praias fluviais seleccionadas;
3- O percurso naõ nos faria andar muitos Kms e, para quem tinha que regressar a 7, de manhã, era o ideal (de referir que as datas da feira eram, obviamente, as pretendidas: de 4 a 7 de Setembro).


Limitados pelo tempo e por compromissos múltiplos, aí fomos nós às 22 horas de dia 4, numa inusual viagem nocturna, para chegarmos a Marvão precisamente às 24.00. À beira dos muros de pedra silenciosos e sombrios, estacionámos a “carroça”. Ainda nos preparámos para uma visita nocturna, na esperança de uma taberna, tasca ou pub para uma refrescante bebida de boas-vindas, mas nada. A vila tinha as suas portas abertas para o silêncio e para as sombras das janelas corridas. Nem vivalma. Apenas dois gatos negros espreitaram sorrateiros, quais humanos transformados em felinos. Arrepiámos caminho para sermos acordados mal o dia nasceu, por um enervante sistema de rega mesmo instalado de modo a regar paredes e janelas da “carroça”. Mudámos de lugar para mais abaixo. Continuámos sozinhos com as muralhas a olharem-nos de frente.
Já o dia ia alto e já os fantasmas se haviam dissipado, acordámos com vozes e motores que aparcavam, na sua lide turística e exploradora. Explorámos pois o território, antes de partirmos na busca das águas refrescantes.


Marvão, banho de sol e luz





O peso da brancura logo ali nos atacou, numa bofetada de luz e calor. Pedras, sol, cortinados de renda, malvas transpiradas, ameias altaneiras, ecos longínquos de lutas árabes…





…Ficámos a saber que, em Outubro, Marvão se vestirá (irmanada com Badajoz) para a festa de outros tempos: Al Mossassa. Fica agendado para breve um próximo salto … provavelmente a Badajoz… (http://www.badajozcapitalenlafrontera.com)

O calor apertava o cerco. Estava na hora do banho… e do almoço. Um pouco mais abaixo, na Portagem, agora sem cobrador, os piqueniques ferviam ao lado da zona balnear: uma piscina fluvial, aproveitando as águas do rio Sever.
Bem frescas, as ditas. Vai-se indo, desde o pé até ao cocuruto, devagarinho e com cada vez mais frio, até que se mergulha de vez. Lá em cima, a muralha do morro agreste de Marvão espreita.



Marvão, lá em cima



Piscina fluvial, Portagem



No monte imediatamente a seguir, já o castelo engalanado de Vide também espreitava. Estava na hora da festa. O programa indicava as 17.00. Lá fomos à espera de dar de caras com o cortejo régio, mas a festa começou com mais de uma hora de atraso. Devíamos ter aproveitado mais tempo a hora do banho. Ali, rodeados de tendas, barracas, tascas e feirantes sentia-se o peso telúrico como se fosse Agosto dos velhos tempos.




Estrada Marvão - castelo de Vide: as árvoes com saias


Os tempos eram de facto outros: um torneio de armas apeado, cavaleiros de Portalegre, de Avis e das redondezas, espadas e espadachins, comediantes e danças do ventre, camelos debaixo do sol escaldante, falcões, árabes, cristãos, judeus e sarracenos… uma reconstituição histórica abrilhantada por numerosos artistas portugueses e estrangeiros, e acima de tudo recriada por Vivarte (www.teatro-vivarte.org), companhia de teatro dirigida por uma cara que já não via há anos e que depois de muito esfregar os olhos lá reconheci.
A noite passou placidamente ao sabor de lutas de espadas, imperiais, carne assada no espeto e jogos medievais.




Ofícios


Desfile régio



sons e danças



o olhar de outros lugares

torneio de armas


argola XL /argola S


os falcões adoram-me...



outros sabores, outras cores


hora do jantar!


O domingo abriu-se tórrido. Voltámos a banhos e o menu era longo. Nas poucas horas que nos restavam havia várias propostas em cima da mesa e, para agradar gregos e troianos, tivemos de percorrer mais 50 km para noroeste e outros 50 de regresso. Para noroeste, a rota de mais duas praias fluviais: primeira, a da Comenda, completamente seca e “plastificada”, da qual fotografámos o cenário natural envolvente e desejámos ter menos de 14 anos para um banho na piscina infantil;

"praia" fluvial da Comenda

a segunda era de facto a mais promissora: já não um qualquer riozeco ou ribeira, mas o excelentíssimo Rio Tejo, ali, entre duas barragens e de frente para o castelo de Belver.




praia do Alamal


A descida-subida até à praia desafia carros pesados como a AC, mas vale pela soberba paisagem. Lá em baixo, os lugares amplos são escassos, mas ainda assim, graças a um número aceitável de banhistas, estacionámos à vontade, com a porta virada para as águas ondulantes (quando os barcos a motor passavam) do Tejo. Na linha em frente do rio, outra linha corria: a dos comboios que muito espaçadamente passavam.
A linha do rio, convidativa a mergulhos e longos banhos, é calma e tépida. A areia, estilo pó amarelo e seco, escalda.



castelo de Belver




O almoço fez-se mesmo ali, a olhar o rio, “acampando” e mastigando pataniscas de bacalhau caseiras. Pés lavados no rio, lixo nos contentores, apetecia ficar até ao mergulho do entardecer, mas ala que se faz tarde, porque promessas são promessas. E lá retomámos a estrada para Castelo de Vide, de modo a satisfazer o jovem troiano que ansiava por uma piscina de escorrega. A piscina de Castelo de Vide, com uma varanda aberta para a estrada, era, desde a véspera, um apelo tremendo para olhos mais incautos e infantis.
Fizemo-nos pois à estrada com alguns gregos ligeiramente contrariados, mas depois de mergulhados no cloro azul e moderno, todos saciaram o momento.
Já à noite a Festa continuava: mais torneios, danças, um Juízo eclesiástico e um colorido e sonoro fogo-de-artifício.
Bastaram algumas horas na Praça, para que perdurasse durante muitas mais, a sensação de que fazíamos parte de um regresso ao passado, enfiados numa bolha na qual ficção e realidade se confundiam, indistintas.
Descansámos já depois das duas, com os olhos e as mentes ocupadas em fantasias. Às 6.30 o despertador tocou. Era a hora (ir)real da partida. Um fim-de-semana a começar tarde e a acabar com a aurora.


Pernoitas:
. Marvão, no parque de estacionamento o longo das muralhas (deserto, mas seguro; quieto não fora o sistema de regas madrugador).
. Castelo de Vide, atrás do Pavilhão Gimnodesportivo (N 39º 24’ 37.2’’ W 007º 26’ 57.9’’).
Estacionamentos:
. Portagem (terreiro em terra batida ao lado do rio Sever)
. Castelo de Vide (ao lado da Piscina Municipal)
. Praia do Alamal, Gavião (N 39º 29’ 16.5’’ W 007º 58’ 08.9’’)