quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dia 6 - Marrocos: sempre um novo cenário


Segunda-feira, sol... o que lá vai, lá vai... pelo caminho, fosse campo, aldeia ou vila, sempre crianças a irem ou a virem da escola e sempre muitas escolas e muitas crianças...






Afinal os polícias tinham razão, as cascatas de Ouzoud ainda ficavam longe e o caminho era moroso de subidas.
Mais uma vez a paisagem mudou. No meio da pequena e pobre povoação de Ouzoud, das suas barracas de artesanato e restaurantes improvisados, tudo ali vive e respira à custa daquela tromba de água, forte, vibrante e africana.










Até a velhota do moinho que estende a mão, se deixa fotografar com a mira na moeda, seja ela nacional ou o tão desejado euro. Tudo roça a pobreza, apesar do Belo invadir os olhos.




Lá em baixo o cenário é novamente distinto, desta vez a lembrar Vietnam...








Os vendilhões do templo cercam o local, o melhor mesmo é rendermo-nos a eles e aproveitar para almoçar. As tágines , nas suas louças alegres e festivas, são apelativas, bora lá comer!





Dali a Marraquexe parecia um ápice, mas mesmo assim demorámos, até porque desta vez foi a vez da “bruxa” bater à porta dos nossos companheiros de viagem. Enfim, nada que não fosse de esperar a avaliar pelo controlo cerrado que os polícias marroquinos instalam nas estradas... velocidade 72 em vez de 60, e lá se abriram os cordões à bolsa, 40 € fazem a festa...




Talvez a paisagem que se avizinha apague das memórias tais visitas do infortúnio, porque a entrada em Marraquexe é de facto inesquecível... linhas e linhas de palmeiras enfeitam o horizonte, e tem-se a sensação que apesar de as conhecermos doutros cenários, estas aqui são “As Palmeiras” ...




O camping de Marraquexe é também um ponto diferente no cenário de campings visitado. No plaino sossegado das areias cremes e das palmeiras reais, uma relva fresca com sofás prazenteiros , uma piscina apelativa, uma esplanada solarenga ... é claro que por aqui abundam autocaravanas, especialmente francesas, cujos viajantes dão ares de ali Estar há muito , conhecendo-se todos, como se fossem já uma família.









Decidimos imitá-los, criámos a nossa esplanada de mesas, cadeiras e toldos e instalámo-nos com ar de férias, admirando as buganvílias...







segunda-feira, 26 de abril de 2010

Dia 5 – Outros olhares sobre Marrocos


O caminho não era o melhor, mas era nossa intenção aproximarmo-nos um bocadito do Médio Atlas, desde Fez até às cascatas de Ouzoud, já depois de Beni Mellal e perto de Marraquexe. Ambição hiperbólica, como viríamos depois a constatar.
Antes de tudo a passagem por um outro olhar sobre Marrocos, a chamada “Chamonix” marroquina.
Depois da montanha aldeã, das barragens, e das mantas de verde, agora o cenário é outro.
Para quem já viu estâncias de ski, Ifrane não transcende nada, mas para quem não espera pinheiros, telhados inclinados, ruas pavimentadas e sinais de neve em Marrocos ( a neve imaginá-mo-la), Ifrane é sui generis .

Assim, parámos, demos de caras com uma corrida de ciclistas à europeia com banda e tudo e almoçámos “em casa”. Carne de vaca estufada com massa à portuguesa. Era um domingo, os marroquinos veraneavam, com ar cosmopolita, na estância de Inverno, nada mais havia a fazer, prosseguimos viagem.















Duas horas, três e a estrada é infindável, sempre o asfalto sem margens cuidadas, o cuidado com os excessos de velocidade, a polícia, os adeuses das crianças, quatro horas...









não esquecer que anoitece cedo e não se aconselha a estrada, e trás!, quando a meta parecia não ser mera miragem, algures perto de Afourer, em plena estrada nacional, outro olhar sobre Marrocos. Não tão grave como em Babel, mas a roçar a mesma criancice que pode ter final trágico. Ao cruzarmo-nos com um autocarro , alguém do seu interior atira um objecto não identificado que nos bate com toda a força no vidro e TRÁS!, duas mossas , vidro partido, vidro a estalar por ali abaixo.







Parámos uns metros depois , queixámo-nos à polícia que concluiu nada poder fazer, não vimos quem foi, eles até mandavam parar o autocarro , mas não havia provas concretas, enfim, o vidro não se estilhaçará, se acontecer não há vidros destes em Marrocos, boa viagem, para onde vão, o melhor é estacionarem no Hotel Tazarkount, já aqui ao lado em Afourer, subir até às cascatas não é agora o mais aconselhável, anoitece, as curvas, enfim... seguimos o conselho das autoridades, para mais uma aventura, desta vez num Hotel. O parque de estacionamento era banal , mas o Hotel de 4 estrelas, tivemos de pedir autorização e como sempre negociar, 200 dihrams por cada carro, ou então um jantar no Hotel... regatear para a esquerda, choradinho para a direita, telefonema para o gerente, vá lá, 150 pela noite.
Entre cervejas (portuguesas!), acajus, chouriços , pão e queijo lá afogámos as mágoas, creio que a visita da bruxa já passou, um dia escreverei sobre ela, que em cada viagem faz pelo menos uma visita.




sábado, 24 de abril de 2010

Dia 4 - Na demanda de Fez


Deixámos as AC estacionadas no Camping e partimos, a pé, na demanda de Fez e, primeiramente, do 38. Curiosamente, não existem paragens de autocarro, assim guiámo-nos pelos ajuntamentos de pessoas à beira da estrada e das avenidas. Mas do 38 nem sombra. Andando, andando, percorremos mais de 2 km até que lá apanhámos o 20 e tal para o centro - Medina.
Desta vez , dispostos a perdermo-nos e a acharmo-nos sozinhos, dispensámos todos os guias, aliás, nenhum se aproximou de nós, à excepção dos breves momentos em que fazíamos ar de perdidos ou procurávamos algo, como a zona da tinturaria e dos curtumes.

A entrada pela porta azul da Medina é uma chapada de cor e de energia que exerce sobre nós o poder de um íman. Tudo é diferente, tudo são sensações...


Porta Azul









Para não perder o fio de Ariadne, o melhor é seguir a rua mais larga. Depois há sempre as estrelas coloridas dos 4 ou 5 percursos turísticos que basta ir seguindo, há sempre também uma legenda em francês.
Aos poucos lá nos vamos habituando ao negociar estratégico e secular, “Em Roma, sê romano!”




Aos poucos vamo-nos habituando à agitação, à azáfama de pessoas que empurram carrinhos de mão, à azáfama de burros que carregam e são arrastados entre doses de multidão, ruas estreitas, vozes cantadas, canto a Alá no altifalante da torre, torre da mesquita, mesquitas que se multiplicam...

















À hora do almoço, procurámos a Praça Recif e mergulhámos num mercado de odores enebriantes, é isto que é mágico nas viagens e aqui ainda mais, não se saber onde estamos exactamente e irmos sempre dar a outro lugar, as mais das vezes imperdível.
Com a barriga dava horas , guardámos o mercado para mais tarde.
No arejado terraço do restaurante em plena praça Recife, pudemos contemplar o que as visitas virtuais a Fez já nos tinham oferecido:





É mesmo real e físico!!!







Depois do razoável repasto, regressámos ao mercado e à Medina
.



Azeitonas...



As peles e as tintas fugiram-nos, vislumbrámos apenas um poster que indicava um terraço, mas demos de caras com um beco escuso com três indíviduos com ar suspeito que nos queriam levar não sei para onde. Não é exagero, por segundos pairou na atmosfera um ar pouco confiável, que nos fez perder a fotografia típica de Fez.
Os pés ardem, as emoções são fortes, nada como uma paragem ao lado das gentes da terra, ao lado da muralha, no seio da praça, antes de nova excursão pela medina judaica.








Judiaria e os seus balcões de madeira


Nova confusão, tudo se vende , tudo se compra, o silêncio só frente ao palácio, de portas fechadas , bem guardado de turistas e olhares curiosos.






Nova paragem frente à Porta da judiaria, de judeus nem sombra, ou lá estariam mas já disseminados pelas vestes longas .







No caminho de regresso ao camping conhecemos a amabilidade de dois condutores de autocarro: um que fez questão de nos levar , de borla (!), até à paragem correcta; o outro que fez um desvio só para nos deixar na rotunda mais próxima do camping. Afinal nem sempre o cifrão comanda a aparente simpatia deste povo ...
Embalados pela música de outro casamento, desta vez berbere, adormecemos...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Dia 3 – dia perdido com final apoteótico


Nestas coisas do viajar com dias limite (mesmo até com um mês, que dizer de 10 dias?!), há sempre um dia que rotulamos de “o dia perdido”, na ânsia de que tudo seja perfeito e não o paraíso perdido.
Desta feita calhou no dia 3, aquele que simbolicamente falando deveria ser o mais próximo da perfeição...
Não que Chefchouan estivesse mal. De todo!
Chefchouan e o seu camping até estavam muito bem, para quem disponha de tempo até aconselho vivamente uma estadia mais prolongada na vila azul e no seu camping de boas vistas e bons ares. Mas o nosso cronómetro não o permitia...
O caminho era até Fez , sem que no entanto adivinhassemos que umas escassas centenas de quilómetros nos levassem quase um dia inteiro a percorrer estradas onde a nota constante é: limite de velocidade 40, 60 , 80;
a cada esquina um contador de quilómetros e um par de polícias atento; veículos de toda a espécie, sobretudo lentos, à nossa frente; já para não mencionar pessoas contra qualquer tipo de pressa...
Chegámos a Fez em boa hora de passear, não fora um dos empregados (gerente?) do camping nos atulhar de papéis e tentar sofregamente impingir-nos uma visita guiada para o dia seguinte. 250 € para as duas famílias, das 9.00 às 17.00. com direito a transporte ida e volta. E autocarro para a cidade, não há? O Gandini bem que anunciava o 38, mas o marroquino tudo negava, empenhado na venda imediata e fresca do guia. Lá o calámos num tom mais ríspido e pudemos sossegar. No dia seguinte se veria, mas sem guia!
Para os mais jovens foi um belo fim de tarde, nas calmas, com jogos e leituras em dia, nada de dia perdido, às vezes também é preciso um tempo morto. O Primo Basílio , do nosso Eça e “Provas manipuladas”, um policial de Donna Leon, foram os livros do top Páscoa 2010 que tiveram honras logo ali e desde ali. A noite terminaria na paz caseira e sono dos justos, não fora um de nós lembrar-se de seguir a música que soava das proximidades. Em boa hora fomos à descoberta do som, houve até quem optasse por cirandar em calças do pijama (adivinhem quem!...) e logo ali, cosido ao camping , brilhava um salão de festas onde se festejava um casamento local. Dois simpáticos jovens marroquinos foram-nos apresentando os usos e costumes, salientando o cavalo branco do noivo, as prendas das damas de honor, o baú do noivo com o dote de ouro e... espreitando para o pavilhão, pudemos vislumbrar a decoração das mesas e os lustres de cristal do tecto. Imaginem só qual não foi a nossa surpresa quando um marroquino mais idoso libertou uma das mesas da boda e nos fez sinal para entrarmos e nos sentarmos... bem, de penetras quase ficámos, não fosse o nosso decoro levar-nos a declinar amavelmente o convite... afinal não eram modos de estar num casamento, em calças de pijama, sinceramente!








sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dia 2 – Na rota clandestina


O sol é mesmo grande em Marrocos, daí certamente este camping estar, assim como outros, repleto de autocaravanistas, nas calmas…). E afinal os sanitários, apesar de denotarem usos e costumes do tempo da avó, permitiram um banho quente e rejuvenescedor (a cabina com água quente era apenas uma, a contígua ao esquentador e bilha do gás laranja, mesmo ali à vista de todos).

( Camping de Martil)


Pagámos – à volta de 9 € e rumámos até à Colômbia marroquina, conhecendo pelas estradas e caminhos verdes do Rif gente acenando para a venda da “pedra”. Quase tantos como os pastores, as ovelhas e as crianças sorridentes a acenar, tudo ia rolando harmoniosamente até à chegada a Tetouan.
O estacionamento foi fácil, é só vislumbrarem os veículos chamados camping-cars e logo os marroquinos sinalizam para estacionar, esticando a mão à espera de gorjeta… afinal, Portugal não está a anos-luz deste costume tão pedincholas… Dá-se-lhes 1€ e prometemos mais, se nos guardarem a “casa”.
Contrariamente às recomendações, demos dois passos e logo fomos engatados. Um simpático cinquentão, trajando à europeia mas claramente nativo, apresentou-se-nos, introduzindo a conversa com a menção ao irmão que trabalhava em Lisboa, “Rua do Ouro, da Prata, Chiado”… o inventário ia seguindo, diz chamar-se Ahmad, mostra a identificação…



( No canto direito, o nosso Ahmad)


há que lhe tirar o chapéu, sim senhora, polida e subrepticiamente se colou a nós, até percebermos que tinhamos ali um guia para todo o percurso, até porque este caminho só os moradores da medina o conhecem, esta não é a porta principal… E assim passeámos por uma medina de ruas escusas, coloridas, de odores mesclados e irreconhecíveis, de gente que trabalha, vende, fala uma língua cantada e enrolada.
Tudo se passou num ritmo sereno, apresentando-nos Ahmad a medina dividida em áreas: a dos judeus, azafamados nos seus ateliers de costura, onde as linhas de seda são antes enroladas ao longo das estreitas ruas, num zumbido inconfundível.





A medina dos árabes, com a suas padarias comunitárias, o seu mercado de legumes, carnes, pão, tudo misturado e ao lado os berberes tímidos de chapéus alegres; a medina de reflexos andaluzes com os seus hotéis, pátios e cores.


(A padaria de todos)









E sempre, sempre a mesclagem de raças, numa harmonia social pintada pelo tom verde, com nesta rua que nos apontou:







(Palácio Real)


(Um hotel)


Graças a Ahmad entrámos também no sítio escondido onde as peles dos animais são meticulosamente tratadas até serem mala, casaco, pele macia e luzidia.







(As banheiras onde as peles mergulham em água, farinha e sal)




O odor fustiga, a visão dura do trabalho também, só os gatos são inconscientes e dormem na rua - também aqui Fernando Pessoa teria invejado os felinos…





Um restaurante



O interior de um Medina



Mas nem tudo são rosas e, por isso, como baptismo de aterragem neste novo mundo, cedo Monsieur Ahmad (no final da visita é certo) nos levou à cooperativa… se o encontrarem fujam do engodo, a dita cooperativa é no rés-do-chão de uma inocente loja de artesanato que amavelmente te oferece chá de menta e logo de seguida, deliciosamente instalados no 1º andar, te dão lições sobre tapetes, até que, pela exaustão, apesar de sempre dizerem que não é obrigatório comprar, acabas por cair na armadilha, e te vês a braços com tapetes ou panos… caímos na esparrela, podemos voltar para casa de tapete voador.
Na descida da medina os 10 € euros da praxe ao malfadado guia, que certamente dali recolherá a sua comissãozinha, regalado.
Vamos mas é regalar-nos noutro lado, almoçando os restos da comidinha caseira e portuga, mesmo ali à beira da estrada. Mais tarde, houve quem nos dissessse que não é nada aconselhável piquenicar assim, mas desta vez a inocência não teve maus frutos. Esteve-se bem.



Rif




Continuando a rota da droga, chegámos a Chefchouan a tempo de um lugarzinho no simpático e rústico camping (no Gandini, categoria “correcta”, mas quanto a mim até merecia mais pontos).
Parece longe, mas, por um atalho de escadinhas sempre a descer, cedo se chega à vila ( o pior é a subida…).





Chefchouan pela colina

As expectativas eram grandes e de início goradas pela presença de tanto mercantilismo e vendilhões que ocultam o tão desejado azul das paredes.








O rei olhando-nos na esplanada



É preciso procurar e depois de encontrada, a “vila azul” encanta. Desta vez, já com a lição decorada, não nos deixámos seduzir pelas vozes doces dos guias e partimos sós à descoberta. Nada de labirintos como Tetouan, a vila é um reino pacífico, onde comprar se faz de modo tranquilo, onde contemplar sem comprar ainda é possível. Anoitecia e as cores fotográficas desvaneciam-se, era tempo de ver o riacho que corre alegremente no sopé dos montes, era tempo de provar numa esplanada turística o coscous, a tágine, os comensais todos da terra, 4,5 € por pessoa e a festa faz-se. Debaixo do olhar sedutor do rei, saboreámos a refeição e a noite terminou plácidamente, já esquecidos das peripécias charlatãs do início do dia.