sábado, 29 de outubro de 2011

O e(E)stado da cultura no museu Dr. Anastácio Gonçalves




Ao que chegámos… Ali, encaixotado entre duas ruas de prédios mais ou menos altos e da Maternidade Alfredo da Costa, tem sobrevivido desde 1904, aquele que foi prémio Valmor (de arquitetura) e propriedade de José Malhoa. Na época “Casa Malhoa”, agora Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, casa e recheio poderão ter os dias contados.



Não era certamente a intenção de António Anastácio Gonçalves, quando, em testamento, a legou ao Estado juntamente com o precioso recheio que as suas paredes albergam.
Aqui há pouco tempo, num canal da televisão portuguesa, falavam de museus em crise, e o acima supracitado foi nomeado no rol dos ditos em crise. Em má hora assim o está, em boa-hora o nomearam, pois a ele me dirigi antes que as portas se fechassem.
A visita foi rica em experiências visuais e em emoções, mau mesmo foi constatar a que estado o Estado nos coloca e descoloca em termos culturais…
A. A. Gonçalves, o oftalmologista benemérito da arte e da literatura, o homem das ciências e das artes, de Portugal e do mundo, dará certamente más voltas no túmulo, se destas desgraças souber…
Naquele cantinho entalado da cidade, a emoção começa logo no exterior, ao contemplarmos a sua arquitectura suave e harmoniosa, no tumulto da grande cidade. O exemplar único combina elementos neo-românticos com Arte Nova e portuguesa, no estilo e cores.



A emoção continua no seu interior, em pormenores como os vitrais da sala de jantar, que, infelizmente, a lente fotográfica não foi capaz de registar fidedignamente. Mais um motivo para se ir lá pessoalmente… Entretanto, a emoção vai-se duplicando com o recheio coleccionado ao longo de anos de viagens e paixões do seu ex-proprietário: a cerâmica japonesa, os objetos pessoais, o mobiliário e, acima de tudo (dependendo do gosto pessoal de cada um), os quadros de autores como José Malhoa, Columbano em vários pontos da casa, mas sobretudo na sala-atelier de larga janela e lustre brilhante.
 

 


Viajar pelas salas desta mansão é também penetrar no respirar de um lar que foi habitado, possivelmente com luzes de alegria e festa. Agora, paira sobre ela a incerteza, e as luzes, essas, são acesas por uma funcionária à medida que vamos avançando pelas salas e corredores, porque o orçamento e a poupança parecem ser as palavras de ordem, ou seja, crise do Estado e da Nação!
 ( Não é um mimo o autoclismo?)

sábado, 22 de outubro de 2011

A nossa "quinta" em Belém



Costumamos dizer à laia de brincadeira, que a nossa “quinta” em Lisboa é vizinha da do sr. Presidente. Sim, esse mesmo, o da República, o Aníbal, o Cavaco, o do palácio cor de rosa, ao lado dos pastéis de Belém.
A nossa quinta é aqui (até quando, se ele o souber?) e a dele, em linha reta, já ali.




Este mês, como que para celebrar a República e a boa vizinhança, demos um salto à mansão cor de rosa do tio Aníbal, não sem antes passarmos pelo Museu da Presidência. Este foi inaugurado no tempo de outro, o Sampaio, em 2004, e nele se guardam memórias, prendas de Estado, protocolos e visitas e ainda retratos desde Manuel de Arriaga a Sampaio, porque de Cavaco ainda não há registo, apenas um espaço em branco na parede do 1º andar.

O Museu é só isto, vejamos a casa por onde todos os presidentes passaram. Antes de mais, é preciso esclarecer que esta nem sempre foi palco de presidentes, aliás, por algum motivo se chama Palácio de Belém, porque foi isso mesmo esde o início, um palácio, em Belém, à beira Tejo erguido. Inicialmente propriedade de Manuel de Portugal (amigo de Camões), em 1726 passou para as mãos da corte portuguesa e é incrível que tenha sido a República, aquela que derrubou a Monarquia, a fazer dele a sua residência, sede ou sala de trabalho. Creio que o facto se explica porque a qualquer presidente do mundo se prestam honras de Estado na esteira do beija-mão ao trono real, deve ser uma tendência natural do ser humano, desde os contos de fadas e princesas, de se identificar com reis, princesas e afins. A psicologia deve explicar o fenómeno melhor do que eu.

Conscientes dessa obsessão fantasiosa, o 1º presidente negou-se a fazer dele sua residência e sede (e até pagava 100 escudos mensais de renda), daí só em 1912 passar a “Palácio “ da República. É claro que Salazar decidiu mudar-se para lá de armas e bagagens. Já o nosso Aníbal, para não ser nem tanto ao mar nem tanto à terra, decidiu continuar na sua residência e fazer do palácio apenas o seu local oficial de trabalho. Não percebo é porque, se assim o é, um mero local de trabalho, arraste consigo tanto séquito (=salários) num espaço que afinal até não é muito grande: GNR, funcionários do Museu, guardas da Presidência, cozinheiras e sabe Deus quantos (eu vi pelo menos 5 ou 6) funcionárias zeladoras das paredes de Sua Excelência.
D. João V (no Museu nacional dos Coches)
Fora estas considerações, apenas poderei, no entanto, divulgar os jardins, a varanda frente às salas centrais – com a perspectiva contrária, mostrando os “vizinhos” autocaravanistas (!!!) – porque na visita guiada de um domingo de outubro, por questões de segurança, não são permitidas fotografias.
 O outro lado da "quinta"

 "- Hello!!!"- diz-nos o Sr. Presidente todas as manhãs.

Fora de críticas à regência e à república, e tentando esquecer onde são gastos os dinheiros públicos, enquanto exemplar arquitectónico e artístico, a visita guiada de uma hora e pouco, até se revelou simpática e instrutiva.
Passo a ilustrar sem fotos:
Logo à entrada a Sala das Bicas com as cortinas azuis de veludo e o emblema pátrio (igual ao da Monarquia mas sem a coroa…) e os azulejos e o chão axadrezado tão conhecidos dos ecrans televisivos. Antes de ser sala era um pátio aberto - daí as bicas – agora é espaço interior de receções e comunicações ao povo. Depois é a sala de jantar com a mesa sempre posta, para nos mostrar como os grandes convivem e ceiam em porcelana Vista Alegre de monograma real, talheres de pratas, baixelas… e janela com vista para a minha “quinta”. A seguir, a Sala Império e ao lado, na capela em forma de corredor erguida por el-Rei D. João V, a controversa obra de Paula Rego, “O ciclo da vida da virgem”, por encomenda do anterior Presidente. Vá lá, a inusitada pincelada da artista sempre escarnece do politicamente correto na casa de sua Exc.. à falta de a poder fotografar, exibo aqui apenas um estudo fora da dita capela:


Depois, a Sala Dourada, a dos Embaixadores e finalmente a ala de D. Amélia, agora ala do Presidente. É verdade ou não é que continuam as fantasias reais? Aliás, o quarto de D. Amélia é agora o gabinete oficial de S. Excª. Lá está o sofá mediático e a mesa das quintas-feiras quando recebe o “nosso” 1º.
Voltamos ao exterior e são os jardins à moda de Versailles tão ao jeito do megalómano D. João V. Nas traseiras e pátio, as jaulas das feras (desde leões a outros animais exóticos, incluindo provavelmente raros pretos albinos, para delícia de S. Majestade, a rainha D. Amélia e sua corte), e os jardins também de D. Amélia nos quais se engaiolavam as suas colecções de aves exóticas.



O retrato pode ser irónico, maldizente, amargo. É fruto dos tempos e da parcialidade de quem não consegue deixar de pensar que o mundo sempre foi um esbanjamento de riqueza, um desfile de superficialidades, um “circo de feras” onde quem reina é o domador.

domingo, 16 de outubro de 2011

Uma ode ao rio e ao mar: Odeceixe




A fronteira para o Algarve. A fronteira entre o rio e o mar.
Para quem, como estes viajantes, se satisfaz com uma semana de praia no sentido de “muita água, muita areia e muito sol”, ir à praia tem de ser muito mais… Um pano azul com vida que se deixa contemplar. De longe. Um anterior braço de água que até ao mar se estende. Marés baixas, marés cheias. O caminho das pedras…
Deixámo-nos estar só para a ver. Chegavam holandeses, espanhóis, ingleses. Todos em AC, alguns até com tendas que montavam à noite. Campismo selvagem, dirão alguns. Eu não disse nada, deixei-me estar contemplando a água, esperando. Para mim só é selvagem quem não tem consciência ecológica. O menos ecológico ali, foram os donos dos canídeos que os deixaram ser livres sem trela, mas depois não souberam apanhar os respetivos cocós. Fora isso, dizia eu, com mais ou menos “campismo selvagem”, o rio continuou azul, o mar ora verde ora azul, os campos verdes como alcatifas naturais das Astúrias e era um Alentejo-Algarve.
Pernoitámos duas noites em Agosto e, para não haver abusos, não revelo aqui as coordenadas, descubram sozinhos e… mantenham o sítio limpo, mais limpo do que aquilo que o encontrarem.










terça-feira, 11 de outubro de 2011

O cante do barro, em Redondo

Com os meus 18 anos, Redondo era a terra de vozes que celebravam o campo e a tradição, como os manos Vitorino e Janita. Passava-se de carro e eles lá estavam, à esquina.
Agora, depois de ouvir o Vitorino na televisão a falar dos seus burros e da tradição dos almocreves da sua terra – Redondo – voltei a recordar-me dele quando entrei no Redondo para visitar o Museu do Barro. Lá estava o burro – não de carne e osso nem de barro, nem do Vitorino; lá estava o almocreve, lá estavam as louças a relembrar o passado tão longínquo de super e hipermercados, da massificação do plástico, do cartão, do papel…




 (Até no Museu , sobressai o caráter utilitário do barro...)

O recente museu foi inaugurado em 2009 num antigo Convento (num espaço envolvente bem atrativo) e oferece aos visitantes alguns exemplares da olaria redondense, bem como um pouco da história da terra, carregada de barreiros, de gente que trabalhava e chafurdava na terra (para chegar ao barro acho que é mesmo o termo mais adequado) para a amassar e extrair do seu pó, a ajuda para o dia a dia, fosse ela utilitária fosse de caráter mais estético e ornamental. O certo é que dela (da terra) muitos tiravam o sustento para a boca.

Como sobrevivem ainda hoje as olarias é que é um mistério (sabe Deus certamente)?! Contudo, ali, debaixo do calor tórrido deste inusitado Outubro, contei em poucas ruas mais de cinco, nada comparado com as mais de trinta de outros tempos, pois claro, mas então, os tempos mudam e, sob o sol bateu-me forte, qual visão futurista, o Vitorino montado nos seus burros, vendendo loiça e água-mel em tom de rouxinol “repenica o cante”.


(Para os autocaravanistas: o passeio foi tão breve e tão sem casa às costas que não tive tempo de indagar sobre locais de pernoita. Oficial e adequado claro que não há nenhum, mas qualquer rua mais sossegada ou largo não verá obstáculos à coisa. Afinal, se o burro carregava a casa e era respeitado, por que não ser-se simpático com os autocaravanistas na vila redondense?)....

 Até porque a vila do Redondo é também outra(s) estória(s):





terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sardão ou sardanisca?



Nestas coisas de viajar com a casa às costas tudo tem de ser perfeito, até o local que se escolhe para almoçar. Retemperados de um sono longo – ainda fruto de um ano de trabalho penoso – entre Almograve e Zambujeira do Mar, só mesmo o Cabo Sardão para um almoço caseiro, dentro de casa e dentro do cenário.
Este era mais ou menos assim:
Quase ausência total do Homem, à exceção do sempre vigilante e vermelho farol; a única casa era lar de muitas espécies, com maior destaque para as predadoras e altivas gaivotas. Mais rasteiras e florais, imperava a urze, tanto em quantidade como em presença odorífica. Sardaniscas nem vê-las, de sinónimos só mesmo o cabo de nome “Sardão”.
O mais de tudo: silêncio e luz. E tudo isto nas vésperas do “Sudoeste”, o mais movimentado e barulhento dos festivais de verão*.

*Recuso-me a escrever Verão com minúscula!














segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Aniversário(s)


Há quatro anos atrás, nasceu este blogue. O mote eram as viagens. Mas, como estas não são só físicas e geográficas, começaram logo por espelhar um modo de estar na vida, o qual deu o título a este rolo digital.
A primeira viagem aqui registada, para além de fazer jus ao título, constituiu também uma justa homenagem à terra-mãe destes viajantes. Porque cada viagem é sempre a voz de quem a faz. Porque cada viajante constrói e é a sua viagem, este blogue fala também sobre outras coisas, dentro e fora das viagens… e, porque não registar fielmente o espírito errante, vadio, insaciável, aventureiro, peregrino (?????...) do seu autor?
Obrigada à mão criadora que tão bem me soube retratar com outras massas, num dia que nada tinha a ver com viagens, porém, lá está, se referia à viajante. Obrigada, G.