quarta-feira, 25 de abril de 2012

Na fronteira entre...

 ENTRE o passado e o presente, entre Portugal e Espanha, entre a cultura e a pimbalhada.
Foi mais uma  edição da reconstituição histórica da Batalha de Atoleiros, na vila de fronteira, local onde D. Nuno Álvares Pereira, com a inovadora técnica do quadrado, conseguiu derrotar os castelhanos apesar de possuir um exército em franca desvantagem numérica.

 Para o efeito, apesar do pasto seco e não da lama histórica para honrar o nome  “atoleiros”; apesar de serem centenas a pé e a cavalo, e não os milhares a pelejar, gritar e morrer, ainda assim , em pleno campo aberto dá-se a ilusão do que poderia ter sido a batalha por  entre montes e vales. Faltam os efeitos ilusórios do cinema para fazer passar dezenas por milhares e para transformar em mortos aqueles que no teatro logo ressuscitam para aplaudir de pé.
Ao lado da batalha, reconstitui-se ainda a defesa do castelo (pena este ser uma parede e duas muralhas de cenário) e, pelo burgo fora, aquilo que poderiam ser os divertimentos da plebe: mercado de comes e bebes, artesanato, “touradas”, pregões, saltimbancos e malabares embora tudo muito ao gosto da atualidade: os deliciosos crepes, a rua dos mouros ali, lado a lado, sem rivalidades, convivendo com outras crenças e credos, e outros que tais, mais ou menos deste tempo, mais ou menos artesanais, porque volta e meia o produto chinês é mais forte que o manual e do que o nacional. A organização nesse aspeto terá que ser mais selectiva. Para além do lado mercantil, há ainda o divertimento de rua, sem dúvida a parte mais criativa e interessante de todas. Dela falarei depois de elogiar o geral e de vituperar a pimbalhada.



Comes e


 e bebes

a arte do malheiro



o forcão


A organização destes eventos recriados do passado, para quem não sabe e portanto convém esclarecer, é da companhia de teatro Viv ’arte, natural de Oliveira do Bairro, a qual prima pelo respeito às fontes e à História, recriando-A desde 1988, recorrendo a colaboradores criativos nacionais e internacionais. Ou não fosse o responsável criativo licenciado em História…
E tudo estaria muito bem, se o município comprador do evento, não resolvesse também aceitar a invasão no território da festa medieval, o vulgar e modernaço espetáculo das massas intitulado televisão comercial.  A TVI , no caso, com a apresentadora Fátima Lopes, num daqueles programas de domingo à tarde em que todos gritam, batem palmas , enquanto sons pimbas e moças armadas em semi-nuas brasileiras exibem soutiens, estrias e fartas carnes.
Se o sábado escapou à poluição sonora, o domingo, porém, rompeu as costuras com um público que fervilhava, não porque o medieval os atraísse, mas porque , do outro lado, a feira ciganal era mais forte. Assim vão as massas em Portugal, mesmo depois da revolução, a instrução ainda vai no rés do chão.
Resta-me elogiar, para além de quem fez de Fronteira aquilo que lá leva as massas em direto ou indireto, todos os criativos (alguns que não fixei os nomes), que durante dois dias animaram espíritos e imaginações:
Os “Corda Lusa”, de Coimbra, pequenos génios da música medieval com amplificadores da modernidade;

a italiana Roby   sempre à espreita de uma oportunidade para fazer voar facas e massas;

o egípcio fascinante da saia rodada;


os “Saltimbancos de Évora” e as suas esculturas corporais;


a voz forte do teatro e da lenda, vinda de Loulé;

o homem e os gansos;


os italianos de Finale Ligure (ou seria Ancona?) com as suas bandeirolas voadoras;



o bobo -ilusionista da moldura;


a dança do ventre com o encantador bailarino da máscara;

a encenação mágica dos “Guardiões do tesouro”, mais um momento Viv´Arte…

Tudo isto em dois dias (21 e 22 de abril) num ambiente que, para quem se deixa Estar e procura cumprir o programa das festas, hora a hora,  tem o condão de nos transportar para outro tempo, como se de facto, o presente se apagasse e mergulhássemos na máquina do tempo, pena os tais lapsos “demoníacos” como programas televisivos de domingo à tarde que estragam o cenário…
Pernoita – largo frente à escola primária nos braços quentes de Morfeu.

domingo, 15 de abril de 2012

Capitais europeias I

A da cultura – Guimarães

Berço da nacionalidade, associada ao nome do 1º, D. Afonso Henriques, Guimarães remonta, como berço, pelo menos no que respeita ao seu ex-libris , o “castelo”, a uma mulher. Pensará o leitor que me refiro a D. Teresa, a Tareja, mãe de D. Afonso Henriques, sovada e preterida pelo filho. Não, refiro-me à condessa Mumadona que, ainda antes, no séc. X, foi responsável pela construção do castelo à sombra do qual se desenvolveu o burgo e onde D. Afonso Henriques veio a habitar e a governar o seu condado.
Só pisando as ruas de Guimarães, a presença forte de Mumadona se faz sentir, na toponímia e até na estátua central que se ergue em sua honra.
 


É também pisando a cidade que nos podemos deixar imbuir do espírito de comemoração da capital Europeia da Cultura 2012. Bem, não tanto como se esperaria porque a meio da semana, era o caso, a respiração cultural é quase inexistente; esperar-se-iam manifestações de rua, cultura a espreitar a cada esquina, para além da natural arquitetónica e monumental. Lançando uma vista de olhos à programação, percebi que teríamos de aguardar pelo fim de semana para algo mais apelativo e ainda assim nem todos os fins de semana.

Guimarães surge, no entanto, de cara lavada e aprumada, à espera dos visitantes que, de facto eram muitos na semana da páscoa, sobretudo espanhóis.

Assim enfeitada para a festa, o mote “Faça parte” espalha-se pelas montras das lojas, que espelham criativamente a adaptação do logótipo original de João Campos.


 
Pontos estratégicos a fazer parte da visita:



. estacionar a AC no Campo do Castelo, grátis (se não se contar a gorjeta ao arrumador) e partir para o castelo, rede de muralhas ancestrais com a sua Torre de Menagem onde ainda se pode subir e admirar, do alto, o vizinho Paço dos Duques de Bragança e  as suas chaminés.


 torre de Menagem
  Paço dos Duques de Bragança

Antes de neste entrar, visitar a capela de S. Miguel, local onde a tradição dita ter sido o batismo do “Conquistador”. Falasse a pia batismal e saberíamos…

 
capela de S. Miguel

No Paço, edifício do séc. XV, pode-se visitar o r/c e o 1ª andar, percorrendo salas, tapeçarias, mobiliários, armas, pintura (aqui o Cordeiro Pascoal, de Josefa d´Obidos) e a capela, uma pequena pérola de madeira e vitral.

O 2º andar, pasme-se, é a residência oficial do Presidente da República e está fechado a olhares de curiosos.


 Caminhando até à urbe antiga é inevitável deleitarmo-nos com as janelas, balcões, ferros forjados únicos e irrepetíveis, ruas, ruelas e largos.









Um deles, o largo da Oliveira, possivelmente um dos únicos do mundo onde uma oliveira permanece estática paredes meias com a Igreja de N. Srª da Oliveira e o Padrão do Salado, evocativo da batalha do mesmo nome.




largo da Oliveira


  antigos paços do concelho

Outra praça, a de Santiago, agora animada por cheiros, sabores e esplanadas ; outrora o sítio onde S. Tiago colocou uma imagem da Virgem Maria.





 praça de Santiago




Mais afastado, a sul, o largo do Toural, hoje coração da cidade, outrora Passeio Público e antes ainda largo da feira do gado. Nele as janelas formam um vitral transparente em tamanho gigante.





 Toural



Fica-se com a sensação que “Fazer parte” é andar pelas ruas e espreitar, numa 1ª vez; 2012 ainda vai no adro e para tudo pode haver uma segunda vez…


Pernoita: Campo do Castelo

domingo, 8 de abril de 2012

Viçosa e bela, no Alentejo






Passando ao lado de uma das regras de ouro do jornalismo – a atualidade – estas crónicas vão-se atrasando nas novidades… perdoem-me os leitores que prezam a tal das regras de ouro, mas também não sou jornalista e este blogue lá vai caminhando conforme pode…
No capítulo das feiras, subtítulo “medievais”, aqui fica em atraso a de Vila Viçosa, este ano tendo decorrido no final de março (30 e 31) e ainda no 1º de abril. Para o ano haverá certamente mais e por essa altura supostamente primaveril (se as estações fossem como dantes)…
A iniciativa é da Câmara , a responsabilidade criativa de recriar o passado da Companhia de Teatro Viv’Arte, também já aqui referida noutras paragens.


 Em Vila Viçosa, berço histórico e real (sede dos Duques de Bragança como o confirma o largo Paço e o terreiro “coroado” por D. João IV) 














e também berço fecundo no campo das letras (recorde-se Florbela Espanca),

 

















por ela também passaram outros reis, na dita feira relembrados: D. Afonso III , D. Dinis e D. João I, respectivamente ao longo dos três dias. Ao primeiro coube o início da construção do castelo; seu filho, D. Dinis erigiu-o; D. João I entregou o domínio da vila ao condestável.




 A nós, que fomos apenas no dia 2, coube-nos o Lavrador, “plantador de naus a haver”. O mesmo dançou e cantou as suas “ai flores, ai flores do verde pino…” e ainda concedeu à  milícia de homens (crianças) de armas, a carta de privilégios do conto de besteiros e decretou a língua portuguesa como língua oficial da corte e de assentamento de todos os documentos do reino. 





















D. Dinis

Para além do rei, desfilaram (muito à pressa por causa da chuva) bobos, guardas, estranhos dançarinos do ventre com as suas cobras gordas e gigantes. 




 O pequeno castelo da vila engalanou-se festivamente e breves artesãos e petiscos coloriram e suavizaram o palato e a visão. Destaco o malheiro , homem que ainda hoje tece cotas de malha  - esta levou à volta de 400 horas!!!; a sidra irlandesa acompanhada de um crepe com frutos silvestres e, como estreia artística “Os acrobatas de Évora”.



 
Acrobatas de Évora



A chuva, depois de ausente todo o inverno, resolveu visitar a feira, alguém no interior do Santuário de Nossa Senhora da Conceição deve ter gritado “milagre, milagre el rei D. João de Portugal!”
As estações, decididamente, andam equivocadas -  fruto dos tempos bizarros, como este que mistura saias , carros e petróleo.
 


 Faltou-nos o jantar na tenda real, mas como não passávamos de plebeus, ficámo-nos pelo "Kebab" e uma noite de bons sonhos no largo Gago Coutinho, ao lado de meia dúzia de companheiros autocaravanistas.