terça-feira, 26 de junho de 2012

S. João do alho-porro




A festa é de cariz pagão e católico. Antes de tudo celebraria o solstício de verão, só depois a adoração ao S. João, adotado pela cidade do Porto como seu padroeiro.
Certo é que para além do lado católico, com as cascatas (presépios em honra do santo), tudo o resto é mais pagão e até mesmo folião do que propriamente religioso. Enfim, será outro tipo de religião, invente-se-lhe pois outro nome, para o qual agora não tenho tempo nem pachorra…



Os martelinhos, talvez a marca mais emblemática da atualidade desta festividade, vieram do sr. Boaventura que os recriou a partir de um saleiro / pimenteiro que viu fora de Portugal, os quais os estudantes universitários cobiçaram. Só depois de terem musicado as queimas estudantis é que passaram para o S. João, não sem antes terem sido multados e silenciados pela PIDE. Agora, os ditos e a sua música de fundo são o ex-libris da festa.

Manjericos e alhos-porros também têm a sua simbologia pagã, associados a presságios felizes de saúde e de boa sorte e, no caso dos segundos, agitados nas cabeças das raparigas, ganham ainda contornos de ritual erótico com reminiscências fálicas. Hoje (e provavelmente desde sempre) muitas raparigas fogem deles, – devido às conotações do passado ou pelo seu perfume pouco afrodisíaco? - apesar de no fundo os desejarem. São só esquisitices femininas, que dizem “não” quando querem dizer “sim”… O certo é que o objeto em si é muito mais interessante e original que os malditos martelinhos que, quanto a mim, bem podiam ser inaudíveis. Defendo pois o alho-porro como símbolo fálico, festivo e institucional do S. João. Viva o alho, abaixo o martelinho!


O que há aqui de fálico? Só vejo "murcons"...

Também os balões acesos – quais estrelinhas a brilhar no céu invicto – e o fogo de artifício – célebre na ribeira e ponte de S. Luís – são sinais ancestrais que ligam o homem ao céu, ao fogo, ao calor do verão, símbolo de vida, energia ou, como outros defendem , será o sinal para acordar o santo.



o ritual de acender o balão


às vezes sobe...

às vezes desce...



Não será só o santo que acordará, aliás, de 23 para 24 de junho poucos são aqueles que dormem no Porto. A festa começa cedo, por bairros e ruelas, cada um põe a mesa e acende as brasas, na sua rua, largo de todos ou num emprestado. O  cheiro das sardinhas e das fêveras é o nevoeiro que a todos envolve, na manhã seguinte a cidade acorda debaixo de um nevoeiro visual e olfativo de sardinhas. Pena que , em Miragaia, um dos bairros onde o arraial popular puxava para o pézinho de dança, serem mais secas que gordas, mas parece que é este o destino das sardinhas para este verão de 2012. Dizem os peritos em linguagem de peixe festivo.





Não se pense contudo que a festa é só folia, baile , comes e bebes. É isso tudo mas é preciso ainda ser forte: para calcorrear ruas e avenidas; para ser bafejado pela “sorte” e pelos  encantos eróticos de martelinhos ruidosos;  para ser enlatado e quase esmagado em longos minutos de espera…


Conselhos: não vá, se sofrer de tensão baixa; se não for munido de calçado confortável; se não gostar de apertos; se decidir estacionar em parques subterrâneos ou outros no centro da festa!!!

Estes




creio que dormiram no carro até à alvorada, em vez de acordaram , como dita o bom costume festivo, nas areias da praia, esta por exemplo. 





terça-feira, 19 de junho de 2012

Roteiro fluvial - S. Simão praia e aldeia



 
Agora que o sol despertou e o calor se aproxima, começa a ser tempo de revelar outro tipo de roteiros turísticos cá dentro.
Esperemos que a crise – pluvial e não financeira – não os tenha extinguido para este verão de 2012. Em 2011 estava lá e bem vivo.
De todos os caminhos percorridos, por campos, praias fluviais e trilhos de Aldeias do Xisto, inauguramo-nos com a praia fluvial de Fragas de S. Simão e aldeia de Casal de S. Simão.

Fica a 8  kms de Figueiró dos Vinhos , (    N 39º54´52.24 W08º 18´59,57’’ ) e o melhor para uma autocaravana é não descer a estrada um bocado a pique até ao parco estacionamento, mas deixá-la cá em cima, ao lado do miradouro. Espreitando do terraço panorâmico para o espelho de água no meio do verde denso, compreende-se porquê.

Vista do terraço panorâmico

O melhor é, pois, ir a pé (a descer todos os Santos ajudam) e deixarmo-nos engolir pelo belo selvagem. Chegados à meta (praia das Fragas) fica-se de queixo caído: uma imensa lagoa no centro dos penhascos, onde se pratica escalada e uma água refrescante e límpida. Apesar de oculta pelo manto verde, no mês de agosto a procura é muita, portanto, se o objectivo é passar o dia com direito a picnic nas mesas, o melhor é ir cedo.




escalada

Para além do cenário natural e selvagem e da perspectiva de uns bons mergulhos, há ainda o atrativo de ficar a poucos quilómetros (a pé) da aldeia de xisto Casal de S. Simão. Calcorreando por um trilho a pé (de   quilómetros), simpático e refrescante por meio de levadas, chega-se, sempre a subir, à simpática e renovada aldeia. Os pormenores encantam e o ar limpo e revigorante também.










e uma porta que não podia faltar...

O trilho está assinalado, é só segui-lo, subir , ver, amar, descer e voltar a um mergulho na praia.

 O dia acaba na esplanada do sítio com uma imperial e uma tapa deliciosa.

sábado, 2 de junho de 2012

INSIDE




Sempre tive o fascínio das JANELAS. São elas os olhos das casas e é por detrás delas que está a alma. Esta, como qualquer alma, não se vê, adivinha-se, imagina-se...Aqui há dias, porém, aconteceu-me o contrário.
Na rua, nem reparei nas janelas (que me lembre era apenas uma porta alta, forte, escura). Quando dei por mim estava dentro da alma, dentro da casa, da “casa dos espíritos”. Cada um deles tinha uma história, cada canto, cada peça, cada partícula de pó, átomo ou célula tinha uma alma.

Realidade ou ficção, os fantasmas por lá andavam, desde o século XVIII até hoje, para onde haviam de ir se aquela é a sua casa? 


Uma “casa com vida própria”, como nos disse o seu atual proprietário. E assim que ele proferiu a frase, o tule transparente dos fantasmas começou nova dança do ventre e o relógio do tempo girou à volta de três séculos de estórias.



Foram os pés dos homens pisando a uva, os tonéis a encherem-se de tinto espumoso a par das vozes dos cantadores até à alvorada.

 Foi o homem do capote que chegou e bebeu mais um copo, aquecendo as mãos no bafo do frio que das paredes e pipas escorria…

Lá fora, na despensa, as mulheres na azáfama. Os cestos prontos para a ronda, o cantil à espera da fonte, o piquenique à espera do cante, os pardais na sua gritaria no limoeiro.



Lá em cima, na cozinha, os bolos crescem nas formas, e o dono da casa, outrora com cinco anos, espera para rapar o fundo do tacho, na mesma cadeira outrora do pai, do avô, bisavô outrora.



 Na sala do fundo passa-se a ferro, uma voz canta, podia ser soprano, podia ser o piano, o vento dispersa o som, as vozes, os pardais. Os fantasmas adormecem, os santos velam pelos vivos e pelos mortos.

   Algures no Alentejo. Uma casa de vidraças viradas para dentro, uma casa de terraço virada para fora.