quarta-feira, 22 de junho de 2016

França – Suíça - França

16 de agosto



E pronto, ali estávamos nós, literalmente a meio de agosto, num domingo certamente soalheiro e quente em Portugal, e ali, na Alemanha, paredes meias com o lago Constança… debaixo de chuva.






Num dos parques para AC, o mundo é pequeno, lá estavam os espanhóis que conhecemos em Strasbourg, parecia então uma eternidade, mas na realidade uns dias antes…
A cidadezinha, Meersburg, ou “Castelo do mar”, designação que aponta para o seu castelo datado do ano de 630, conhece a parte alta e a baixa. É na parte alta que se situa o castelo medieval, altaneiro, claro, com um olho atento ao inimigo e outro às águas do lago.



Frente ao castelo ainda um antigo palácio rosa, este de estilo barroco. Do seu terraço tem-se uma vista magnífica do cais e do lago Constança.




A parte alta é um nicho de ruas estreitas e coloridas, com a sua simpática arquitetura medieval.








Cosido ao Castelo Velho, dá nas vistas um antigo moinho de água, pertencente a uma casa particular mas aberto às lentes fotográficas de quem passa ao lado e às moedas que os desejos atiram.





A chuva abrandava a espaços, estava porém decidido que sairíamos da Alemanha para entrar em território suíço, preferencialmente por caminhos rurais de modo a evitar o pagamento da vinheta suíça para autoestradas.

O destino seria uma visita rápida às cascatas perto de Schaffhausen, uma queda de água considerada a maior da Europa, com uma altura de 150 metros e um cenário que, pelo menos teoricamente, parecia exuberante. Conseguimos estacionar perto da entrada num dos muitos parques existentes, mas a fantasia prometida em imagens, acabou por não nos deixar enfeitiçados como esperávamos.


Ou porque o volumoso número de turistas, mormente asiáticos em filas, com chapéus de chuva a servir de guia e lentes fotográficas a disparar continuamente para poses artísticas e estudadas ( ou selfies com sons agudos e sorrisos postiços), ou fosse porque , consequentemente, o local até indicava , na publicidade mural , possíveis carteiristas, o certo é que a ambiência nos deixou meio zonzos a olhar para o que parecia um cenário demasiado plastificado feito de barcos de aluguer e quedas de um Reno que não tinha a culpa. 







Acabou mesmo por ser uma visita de médico. Entrada rápida na Suíça, saída ainda mais rápida e eis-nos novamente em França, novamente em território alsaciano. Sem metas nem destinos fixos apontámos apenas um sítio que poderia ser calmo para passar a noite. Calhou-nos, e bem, uma pacata aldeia alsaciana, com área para AC ( N 47º 35’ 57’’ W 7º 13´27´´) ao lado de vivendas familiares e de um bar de madeira onde jovens jogavam às cartas, qual aldeia alentejana. Tinha porém nome difícil ,  Hirtzbach. Hirtz a fazer jus ao cervo do seu brasão e das suas florestas; Bach a relembrar o riacho que atravessa a pequena localidade.



De facto, ao longo do nosso passeio noturno, numa noite escura como breu e sem vivalma, apenas ouvíamos um burburinho suave que depois percebemos pertencer às águas calmas de um ribeiro que atravessava a rua principal. Ao longo da rua, “colombages” típicas e muitas flores em vasos pendurados ao longo dos gradeamentos das pequenas pontes.  Tudo adormecido. No outro dia de manhã percebemos que se tratava de uma daquelas vilas francesas que têm o maior orgulho em vestir-se de cores e flores, faz parte da longa lista francesa de  “Village fleuri” e já tinha um largo rol de troféus.

Ao nosso lado mais uns quantos franceses em AC que também eles dormiam… Bonne nuit!

domingo, 19 de junho de 2016

Pelas margens do Guadiana




Lá as cores são outras, e o ar ou vento outros. Lá, onde o Guadiana escorre e sobe, recebendo o sal das marés, as cores e o ar são outros. Uma cor a terra, uma brisa que não é de mar e nem é brisa.









As pedras também são outras, as do chão, as das casas, as da muralha, as do castelo. As que estão soterradas e as que se erguem ao sol. É o branco árabe e é Alentejo. É o castanho-terra dos romanos, dos muçulmanos, do rei árabe, do rei católico….
Lá, as civilizações recuam e são uma mistura dos tempos, eras que confluíram para o mesmo fim: a terra , o(s) deus(es), o rio. Lá, em Mértola, continua o passado no chão pisado, no branco a olhar o céu, no olhar branco até de um gato.



À beira-cais o rio continua a ser fonte – do pescado, do banho, do mergulho, e mais recentemente da canoagem. Na margem esquerda, outrora fonte de pão, o centeio e a cevada moídas nas Azenhas de água. Agora relíquias e pedras abandonadas.  





Azenhas 


Entre Mértola e Serpa, outras estórias. A estória e a História de uma família inglesa, a Mason & Barry, que ergueu, num canto sem nada, uma fortuna com tudo. A aldeia das Minas de São Domingos erguida porque havia minérios, cobre, zinco, chumbo e enxofre,  a enriquecer gente. A mina, escavada pelo negrume de centenas, transportada ao longo de carris, 17 quilómetros até ao fim da linha, durou um século.


 Partida: São Domingos , destino: Pomarão, lugar em nenhures, na confluência entre o rio Chanca e o Guadiana, paredes meias com Espanha. Chegado ao destino, o carregamento era transportado em barcos, 500 por ano, imagine-se, dali até Vila Real de S. António, do Algarve até Inglaterra.




Casinhas dos trabalhadores e fim da linha, Pomarão 




Em São Domingos a aldeia crescia, de início 300 casas, duas divisões, portas e janelas pequenas, irmanadas, juntas, albergando mulheres e crianças que os viam partir, a eles, negros, para o buraco, para a linha. Depois vieram mais casas, os Correios, a mercearia, o teatro, o campo de jogos (apenas para os ingleses). No fim, 3.000 habitantes, escola, centro de saúde… e, afastada e sóbria, a mansão dos ingleses, o court de ténis, a hierarquia social espelhada na geografia e arquitetura das casas.
Depois a fonte estancou, foi o desemprego, foi o abandono.




Hoje a memória reaviva-se no testemunho das legendas a preto e branco, no percurso pedonal, na Casa do Mineiro, no Hotel de quatro estrelas outrora mansão, no buraco de águas vermelhas paradas.




No cenário envolvente, as Tapadas, a Grande e a Pequena. Na Grande, a praia fluvial com a sua fina areia, bar, pista de canoagem e autocaravanas, muitas. A sinalética exclui-as mas ainda assim lá estão, pelo menos na primavera, nesta primavera. 






À noite, o silêncio. Ou talvez não. Se forem à aldeia, num dos cafés perdidos, os homens cantam. É o cante alentejano desde o tempo das minas, as vozes e a mini, as vozes e o vinho.
Outros recantos a visitar? Muitos. Nas redondezas uma paragem em Paragem (restaurante), situado no pequeno lugarejo chamado Corvos, para um polvo à lagareiro macio bem regado com azeite, ou um cozido de grão na panela de barro.
Sim, de barro. O barro da terra , lá, onde tudo transpira passado, um passado irreal a preto e branco assente numa realidade quase surreal.


(Pernoitas de autocaravana: no cais em Mértola; à beira da praia fluvial em Minas de São Domingos e, pelo que vi, no terreiro ribeirinho no Pomarão).